Os Egípcios e o Além-Túmulo
Por Liszt Rangel
Não é de hoje que as religiões professam a salvação, a condenação e o julgamento no mundo espiritual que aguarda os bons e maus, os justos e injustos.
Como disse o filósofo francês Bergson, "as religiões, na tentativa de acabarem com o egoísmo na Terra, estimularam o egoísmo no céu".
Isto se reflete no comportamento atual pelas neuroses obsessivas em torno da salvação e do que as pessoas são capazes de fazer por um lugarzinho no paraíso.
No passado não foi muito diferente. No Oriente, entre cristãos primitivos dos séculos II e III, ficou conhecida a seita gnóstica que defendia a ideia de que a Terra havia sido criada por um ser divino, caído do Céu, ou seja, que fora rejeitado como divindade. Muitos gnósticos acreditavam que Jesus havia sido escolhido por Deus como instrumento da salvação das almas para levá-las de volta ao Céu. É claro que ele não faria tudo isto sozinho, pois segundo esta crença gnóstica, ele contou com a ajuda de uma entidade espiritual muito evoluída, conhecida pelo nome de Cristo. O objetivo, então, era oferecer ao homem, conhecimento (gnosis) capaz de libertá-lo do mal, da ignorância que gera a dor e o erro.
Cristo, portanto, para os cristãos gnósticos, fora o responsável pelas curas e fenômenos realizados por Jesus. Sem Cristo ele não teria feito nada. Muitos escritos dos gnósticos e suas crenças ainda impregnam o Cristianismo e os cristãos, pois não é difícil encontrar nos próprios Evangelhos a presença do pensamento gnóstico que influenciou, inclusive, seus redatores mais tardios.
Recuando um pouco mais no tempo e ampliando a área de pesquisa, há registros de que a crença da salvação da alma remonta de uma forma ainda rudimentar, há 4500 a.C., no período do Antigo Império. Há estudiosos que defendem a ideia de que a primitiva crença acerca do além para os egípcios já teria iniciado até mesmo, antes da formação do Antigo Império. A realeza era a classe privilegiada na entrada do mundo dos mortos. Foi com o passar do tempo que os sacerdotes, nobres, engenheiros e escribas passaram a ter o direito de gozar da imortalidade junto do faraó. Isto ocorreu devido ao acesso do conhecimento sobre a religião funerária que passou a ser mais difundido.
Foi durante o Novo Império, por volta de 1290 a.C. até o domínio romano no século I a.C., quando as inscrições dos textos sagrados, contendo os encantamentos e as fórmulas que precisavam ser recitadas pelo morto, passaram a ser facilmente difundidas entre todo o povo egípcio, facilitando então a compreensão de como se conseguia um lugar no reino da imortalidade de Osíris.
Em pesquisas arqueológicas que realizadas no Vale das Rainhas, em Tebas, há inúmeros relatos pertencentes ao período do Novo Império, como é o caso da câmara mortuária de Nefertari, da 19ª dinastia, onde nas paredes internas, entre tantas pinturas, encontra-se a imagem da deusa Maat, como representante da harmonia e do equilíbrio, bem como da verdade.
No papiro acima que faz parte de nosso acervo pessoal, encontram-se as origens das concepções cristãs acerca do Céu e do Inferno, bem como, ao prestar atenção nos detalhes, é possível perceber a forte semelhança entre os ensinos difundidos pelo Cristianismo e os da mitologia egípcia.
Em primeiro plano, no alto do papiro, vê-se a alma sendo submetida a um julgamento diante de 42 juizes no além-túmulo. O morto repete os mandamentos da religião egípcia: "eu não matei, não fiz o mal, não roubei, fui justo..." Porém, como apenas falar não resolvia o problema da salvação, ele teria que passar pela sala de Maat, a sala das duas verdades.
O seu coração é trazido para ser pesado na balança, sendo colocado em um dos pratos. No outro prato é colocada uma pena. Caso o seu coração pese mais do que a pena, a terrível presença de Amut, o animal representante das forças do mundo inferior, irá comer o coração do morto e assim, a alma irá para o tormento eterno. Enquanto seu coração é pesado, Anúbis, o deus do embalsamento, confere o fiel da balança, deixando a Tot, o deus com cabeça de Íbis, a função de anotar as ações do morto, verificando se o que ele falou aos 42 juízes corresponde ao peso do seu coração. Caso ele seja mais leve do que a pena, surgirá então Hórus, o messias dos egípcios, que levará o morto diante do deus Osíris, que está assistido por suas duas irmãs, Ísis e Néftis. Osíris, então, indicará ao morto, o lugar na feliz eternidade.
Após esta explicação acerca da passagem da alma para o mundo dos mortos, resta uma breve análise sobre os ensinos do Cristianismo, atribuídos a Jesus, e a mitologia egípcia. Em primeiro lugar, a incrível semelhança entre os mandamentos que Deus teria dado a Moisés e os proferidos pela alma diante dos juízes. Ainda dentro desta perspectiva, vê-se a repetição de um ensino de Jesus: "A boca fala do que o coração está cheio". Depois, temos a presença do representante das regiões de sofrimento, nada muito diferente do que foi passado no Cristianismo, a disputa pelas almas entre as forças do bem e do mal.
Aprofundando um pouco mais a análise, é curioso observar que Hórus, o messias, aparece como a salvação para o morto levando-o diante de Osíris que está sentado em um trono nos céus. É possível, então, notar alguma semelhança com a frase, "Eu sou o Caminho, a Verdade, a Vida, e ninguém irá ao Pai senão por mim". A proposta desta frase que foi atribuída a Jesus, revela a dominação política, religiosa e ideológica do Cristianismo, o que implica dizer que, "quem não se tornar cristão, não vai para o céu". Ou seja, muçulmanos, budistas, hindus, judeus e outros, não irão para o céu, caso não abandonem suas religiões e não aceitem Jesus como único caminho para a salvação.
Também, nos ensinos de Hórus ele se diz a "Luz do Mundo". Alguém mais disse isto?
Existem outras comparações e aprofundamentos a serem feitos, tão importantes quanto estes, mas deixarei para apresentar em meu novo livro, com previsão de lançamento para este primeiro semestre.
No entanto, deixo uma última análise - Para Compreender a História de um Homem e seu Povo. Em relação ao nome da sala das duas verdades, Maat, faz lembrar não apenas o nome do evangelista Mateus, mas da mesma forma que a sala, o Evangelho de Mateus, trata basicamente de juízo final, ou seja, julgamento após a morte. Tem ou não semelhança com Maat?
As descobertas da História, da Arqueologia, juntamente com as críticas textuais em torno dos Evangelhos, mostram que o Cristianismo não fugiu à influência das religiões pagãs e que o Cristo a quem seguimos, é mais o Cristo dos pagãos do que o Jesus Histórico. A base da doutrina cristã já estava no Egito.
Com o resgate do Jesus Histórico, o Cristo da Fé será entendido como um representante mitológico, moldado segundo os interesses de quem o criou, sem deixar de conter é óbvio, a verdade histórica que todos os mitos possuem.
Sérgio Pereira/Kajaide
Orientador Espiritual
Ano de Obaluayê/Nàná/Lonã
"Paz e Bem!"
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