ESCUTATÓRIA
Rubem Alves
Texto proferido na Sessão Mediúnica de 21 de maio de 2010.
Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil.
Diz Alberto Caeiro que... Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia. Parafraseio o Alberto Caeiro: Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade...
A gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor... Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração... e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor...
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade. No fundo, pensamos ser os mais bonitos, os mais inteligentes...
Tenho um velho amigo, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência que teve com os índios: Reunidos os participantes da tribo, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio para depois um dar o sinal e falar e todos escutam, mesmo que não concorde com o que está sendo dito. Todos os que quiserem falar podem, porém, um de cada vez...sendo ouvido pelos demais. Isso se assemelha aos pianistas, por exemplo, que antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio... Abrindo vazios de silêncio... Expulsando todas as idéias estranhas. O silêncio do grupo indígena reunido fica assim a espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos... Pensamentos que ele julgava essenciais. São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou.
O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo àquilo que você falou. E, assim vai à reunião. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.
Se eu falar logo a seguir... São duas as possibilidades. Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado. Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou. Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. E isso mostra a vaidade, arrogância e falta de humildade, porque, o que ele for falar também outros certamente já pensaram ou já ouviram falar. Não devemos nos “achar” o inédito no que pensarmos ou falarmos. Sempre haverá quem nos antecedeu naquilo que estamos falando.
Por fim posso afirmar que ouvir mais do que falar é um bom método de aprendizado.
Sérgio Pereira/Kajaide
Orientador Espiritual
Ano de Yemanjá/Vênus
“Eu Posso! Eu Posso!”
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