sexta-feira, 28 de setembro de 2007

MENSAGENS PARA REFLEXÃO

MANEIRAS DE VIVER E MORRER.

Texto adaptado por Sérgio Pereira, 28/09/2007.

Tio Pedro morreu dignamente aos 87 anos. Antes, dispensou as carpideiras, ou seja, aquelas mulheres que vão ao velório para chorar, gritar e lamentar o defunto.Também não leu as passagens bíblicas que falam na remissão dos pecados a ferro e fogo.Achava improvável alguém pegar as almas, diáfanas e intangíveis, para assar nas brasas, se nem carne haveria.Doente, não fez questão de seguir as recomendações dos médicos.Continuou fumando e tirava os cigarros do maço onde colava recortes de revistas para não ver nenhum pedaço daquelas fotos medonhas. Achava uma hipocrisia alguém vender um produto que mata, lavando a consciência com a imagem fragilizada dos outros. Dizia que estresse mata, trânsito mata e que até o coração mata e, nem por isso, a gente cola cartazes horríveis no peito dos sensíveis.Tomava religiosamente sua caipirinha, comia feijoada e freqüentava o forró aos domingos. No baile, ainda arriscava olhares para a morena Rosa, porque achava que a beleza em flor haveria de enfeitar sua vida até o fim. Para a tia Mariquinha dedicava outros afetos, passeava com ela de mãos dadas, plantavam hortas e nas tardes de sábado se aninhavam juntinhos para ouvir Noel Rosa.Tio Pedro também jogava cartas, gostava de loterias e sempre que sonhava com camelo apostava no cachorro, seguindo uma lógica que, para nós, não fazia o menor sentido. Para ele, pecado mesmo era receber mensalão, pagar propina, deixar pai de família desempregado, fazer cartel em postos de gasolina, agir em nome da ganância, matar a juventude com o tráfico da droga. No mais, vivia de acordo com a sua consciência, sem alterar os planos, até mesmo na curva dos 80 quando um enfisema começou a tirar a força do guerreiro que lutou por pequenos prazeres até o fim.Já o Tio Zeca, ao contrário dele, tinha passado à vida colecionando mulheres, vivia na boemia, não dava atenção a família, não gostava de trabalhar, vivia usurpando os familiares e amigos, mas quando pressentiu a morte começou a fazer a ''mea culpa'' para uma retirada cheia de arrependimento e renúncia. Passou a ler a Bíblia sofregamente, querendo compreender numa sentada só os mistérios da Gênesis e do Apocalipse, temendo a figura das bestas que galopavam atrás dele nos sonhos, enquanto trombetas tocavam um insistente chá-chá-chá. Também exigia a presença da mulher aos pés da cama ou que ficasse com ele de mãos dadas sem deixar que ela desse atenção às visitas,sussurrando moribundo: ''Minha querida! Eu te amo! Fica perto de mim!''. No fim, partiu como se quem tivesse morrido não fosse o mesmo homem que havia vivido. Tinha criado um personagem em si mesmo. Criou para o final uma áurea de bom homem. Não deu conta de que era preciso morrer com consciência ou, pelo menos, alguma coerência. Nasceu boêmio, viveu aproveitando-se dos outros e morreu fingindo-se de santo.Quanto ao Tio Pedro, quando esse deu pela hora da morte, pediu a caixinha de fósforos onde batucava sambas de roda e desfiou, sem censura, sua vã filosofia:''Um homem não deve abdicar dos sonhos. Nem da sua comida, nem da sua bebida, tampouco das suas paixões. Deve entender que é lícito ser autêntico até o fim. Chega um dia, em que o homem deve planar sobre o seu destino, para enxergar com foco ampliado os caminhos que está deixando para trás.Não deve ter medo da morte nem receio das suas ilusões e fantasias. Porque o que é o Paraíso senão a fantasia humana de desembarcar no porto seguro da eternidade?''. Terminou a batucada e fechou olhos, deixando a dúvida se tinha avistado um anjo ou encontrado o Cartola e toda a velha guarda do samba.Em verdade a vida de Tio Pedro não daria um livro de virtudes, mas, com certeza, daria um belo samba.

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